Capítulo 28

DEPOIS DE TANTAS EMOÇÕES, minha alma estava lavada. Naquela
terça-feira à tarde, eu não só estava livre de qualquer punição da escola
e de dar desgosto para minha família como tinha presenciado cenas que
nunca poderia imaginar alguns meses antes. Como as pessoas são
diferentes por dentro! Como as aparências enganam! Como a gente
coloca uma armadura para não mostrar quem é por dentro…
Bom, como eu estava livre, assim que terminei de almoçar na rua,
quis fazer a coisa pela qual eu mais ansiava nas últimas horas da minha
vida, desde que o Dudu me beijou pela última vez: falar com ele de novo
para podermos nos encontrar mais uma vez, ficar perto dele e dar
muitos e muitos outros beijos e abraços apertados e cheirosos! E, claro,
conversar muito, dar muito carinho, consolar a tristeza dele, cozinhar
para ele… Nossa, será que eu já estava viciada no Dudu? Que sentimento
era aquele, Brasil, polo norte e China, que não me deixava parar de
pensar e que me fazia querer estar grudada nele o tempo todo?
Assim que saí do restaurante, liguei para o celular dele, com um
sorrisinho indisfarçável no rosto. Antes mesmo que ele dissesse alô, eu
já saí falando:
– Saudade de você! Quero te ver!
– Acho que você ligou errado – disse a voz que atendeu ao telefone.
Repeti o número de telefone, para ter certeza de que não tinha ligado
errado mesmo.
– É esse número mesmo. Quem é que está falando?
– Aqui é a Tetê. E você, quem é?
– A gente não se conhece, mas aqui é a Ingrid.
Oi?
Hein?
Ingrid era a ex-namorada do Dudu… Eu lembro do Davi contando.
Será que estou tendo um pesadelo? Só pode. Eu devo acordar já, já.
– Ingrid? – perguntei, já em choque.
Será que então eu estava sonhando com o que aconteceu antes? Não,
né? Pera, deixa eu raciocinar: se as coisas se resolveram mesmo na
escola, o Dudu me ajudou. E se ele me ajudou, aconteceu o que
aconteceu depois…
Será que fui teletransportada pra uma realidade paralela?
Alguma coisa não está se encaixando nessa história.
– Sim, sou a namorada do Dudu. Não pude vir pro enterro, mas
cheguei ontem de Minas pra missa de sétimo dia do seu Inácio. O Dudu
tá muito borocoxô, tava precisando do meu colo. Ele saiu pra comprar
mate e esqueceu o celular. Já, já ele volta. Quer deixar recado?
Namorada do Dudu?
Espera, foi isso mesmo que ela falou? Namorada?
Pensando bem, só uma namorada mesmo se apodera do celular de
um cara assim e atende uma ligação estando na casa dele… e dorme na
casa dele… Ele provavelmente havia perdoado a traição dela…
– Não, não precisa. Obrigada – respondi, desligando logo em seguida
e protagonizando a maior cena de choro que a Tonelero já tinha visto.
Meu coração quebrou em mil caquinhos. Eu estava arrasada.
Bateu o maior bode. Fiquei mal.
Não, não podia ser… Eu era muito azarada mesmo. E as minhocas na
minha cabeça começaram um debate.
Será que ele estava com a Ingrid o tempo todo? Será que todo cara
bonito é igual ao Erick, fica com duas, três, e acha normal? Será que
todo garoto é um ser sem coração?
Caminhei meio que hipnotizada até a minha casa. Entrei e nem falei
com ninguém, nem lembro se alguém falou comigo. Fui direto para
debaixo do chuveiro, deixar a água cair na minha cabeça.
Ao sair do banho, liguei para o Davi. Eu precisava esclarecer aquilo.
– Davi, pelamordedeus, o Dudu voltou com a Ingrid?
– Como, Tetê?
– Me conta, Davi, não esconde nada de mim, por favor!
– Ih, não tô sabendo de nada, não. Mas eu dormi essa noite na casa do
Zeca, lembra? E estou aqui de novo. A gente combinou de estudar todas
as matérias, estou ajudando ele. Mas o que aconteceu?
Então eu contei tudo.
E de repente chega uma mensagem do Zeca – enquanto eu falava com


o Davi no telefone!

ZECA
Tetê, faz a egípcia, não fala nada, não passa
recibo. Essa aí é periguete de carteirinha.
Espera que a gente vai descobrir o que está
acontecendo.

TETÊ
Ai, Zeca, eu não posso ser feliz mesmo, né?

ZECA
Engole esse choro, Tetê! Vai borrar o rímel!

rsrsr


E ele não tinha ideia de quanto eu já tinha chorado! Meu corpo todo
doía. Parecia que eu tinha levado uma facada pelas costas. Que sensação
horrível, meu Deus! Será que eu nunca vou conseguir ser feliz?
– O Dudu é um imbecil mesmo se ele voltou com ela! – esbravejou
Davi. – Mas eu vou descobrir, tá?
Meu mundo despencou. Meu coração parou de bater por um
instante. E uma quentura tomou conta do meu corpo.
A ex-namorada (ou a namorada de novo, já não sabia mais…) do Dudu
estava na casa dele desde a noite anterior, era fato. Atende o celular
dele. Eles só podiam ter voltado mesmo. Senti um… um… negócio… um
ciúme… um sentimento de perda… uma tristeza… uma falta de
esperança… uma irritação… um… nem sei… Mas por que eu estava
daquele jeito pela Ingrid estar com o Dudu? Se eu fosse analisar
friamente, a gente só tinha… ficado. Dado uns beijos. Um dia só. Não
éramos namorados nem nada.
Mas, poxa… foi tão… intenso! Importante! Especial! Incrível.
Inesquecível. Estupendo. Estonteante. Maravilhoso. Sensacional.
Mágico.
Será que tinha significado tudo isso só para mim? Eu ainda era
aquela menina boba? Estava eu tendo um ataque de Tetê do Cecê? Eu era
ainda a mesma ingênua da Barra, que se iludia com qualquer coisinha?
Pois é, pelo jeito eu era.
Há poucas horas, eu era a menina mais feliz do mundo. Agora sentia
que estava sofrendo outra espécie de traição… Eu queria morrer.
E fiquei sozinha no meu quarto, chorando, chorando muito.
Pensando em quando eu seria finalmente feliz. Se é que algum dia eu
seria feliz.
Comecei a chorar de novo. A chorar mesmo. De soluçar. De escorrer
lágrimas. De sentir desespero e abandono. De ficar deitada
encolhidinha, esperando o mundo acabar.
Minha mãe deve ter ouvido e entrou no quarto, preocupada.
– Que foi, filha? Aconteceu alguma coisa? – perguntou ela.
– Ai, mãe, aconteceu.
Mas eu só soluçava, nem conseguia explicar.
– Alguém te magoou, foi isso?
– Foi… Quer dizer… Acho que foi… Deve ser tão chato pra família não
gostar da namorada de um parente querido…
Foi a frase estapafúrdia que eu consegui dizer.
– Como? Que namorada, Tetê? Você tá lendo algum daqueles livros
de novo, é isso?
– Não. É o irmão do Davi. O Dudu. A namorada que era ex e que agora
deve ser atual atendeu o telefone dele que ele esqueceu. E disse que era
namorada mesmo.
– Tetê, eu não estou conseguindo entender nada. Espera que vou
buscar um copo d’água pra você se acalmar.
Bebi a água que minha mãe trouxe e acabei contando tudo para ela,
que ficou feliz por um lado, por eu ter beijado um menino tão legal
(agora eu também nem sabia mais. Acho que todos os meninos
minimamente bonitos são seres que não inspiram confiança e que
acham normal pegar duas mulheres num dia só), e por outro, me deu
todo o apoio, conselhos e abraços.
– Calma, filha. A gente não sabe ainda o que aconteceu direito. E se
ela mora em Minas, esse namoro à distância talvez nem vingue. Mas se
ele ficou mesmo com ela, eu tenho certeza que você ainda vai achar outro
rapaz tão ou mais legal que esse.
E eu desandei a chorar ainda mais, pensando na possibilidade de
perder o Dudu para sempre. Mas minha mãe me abraçou muito, e senti
o colo dela e o aconchego, e aquilo me deu uma calma e uma paz muito,
muito boas.
– Obrigada pelo colo, mãe. Eu só… eu só não queria perder o Dudu,
sabe?
– Sei, claro. Mas desilusões amorosas fazem parte da vida. Eu sei
que é duro, mas acontecem. Dói mesmo. Com meu primeiro namorado
foi assim, mas a gente supera. Mas olha, não perde a esperança ainda,
tá?
– Você acha que eu não devo perder?
– Não. Esperança a gente nunca deve perder. Você não vê eu e seu
pai? A gente ficou por um fio. Mas conseguimos superar os problemas,
vencer as barreiras, as dificuldades, e estamos ótimos. Ainda bem que a
gente não desistiu. Porque hoje eu sei que a gente é muito mais feliz
junto do que separado.
E eu dei um abraço muito forte na minha mãe. Eu não tinha ideia de
que ela podia ser sensata daquele jeito e me apoiar em um assunto tão
delicado. Mas foi muito bom.
– Mãe, valeu. Mas, olha, eu quero te pedir um favor.
– Claro, Tetê.
– Eu não vou na missa do seu Inácio. Não vou conseguir olhar pra
cara daquela Ingrid e do Dudu, e muito menos ver eles juntos. Você vai
com o papai ou com a vovó pra me representar?
– Deixa com a gente, filha.
– E mais uma coisa. Eu não vou na aula amanhã, tudo bem? Preciso
ficar um tempo sozinha.
– Tudo bem, querida. Você é ótima aluna, está superbem na escola.
Eu entendo. Pode tirar esse tempo pra você. Mas pensa que às vezes é
bom também ocupar a cabeça pra não ficar sofrendo.
Acabei não indo à escola pelo resto da semana, e fiquei sem falar com
ninguém. Desliguei meu celular, não vi mensagens, não atendi telefone
nem nada. Me desliguei do mundo. Estava muito difícil para mim me
acostumar a ficar naquela condição de novo.
Eu tinha que apagar o Dudu da minha cabeça.
Eu tinha que apagar o Dudu do meu coração.
Eu tinha que apagar o Dudu de mim.
E tinha que me acostumar com a ideia de ter de novo uma vida sem
ele.

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