10 ANOS (Hoje é dia de festa)

Se você é mãe, prepare-se. Um belo dia sua filha vai olhar no fundo dos seus olhos, com o olhar mais cândido do mundo e dirá, com a fisionomia inalterada, plácida:
- Mãe, tenho uma festa para ir hoje. 
Festa. Festa! Não é um encontro entre amigos num play ou em um bufe infantil, não! Em boate de adulto! Horário de adulto! Saem tarde de casa, chegam mais tarde ainda! O sono da gente que se dane! Pai e mãe, a partir de uma certa idade, vivem para pegar os filhos. No cinema, na escola, na praia, na natação, na capoeira, na casa de alguém, nas festas. E não pode ficar esperando na porta dos lugares, tem esse detalhe. É mico. Rega-bofe anunciado, começa o dilema da roupa. Sim, porque quando elas fazem uns oito anos decidem que repetir roupa é pecado mortal. Em festa, então, é o fim. A agenda, que antes servia como diário, passa a ser finalmente utilizado como agenda e lota de compromissos com uma velocidade impressionante. São pelo menos três festas por semana.
Três!
O pior é que, além das roupas, tem o rio de dinheiro que elas nos fazem gastar em coisas utilíssimas, como esmaltes coloridos, pulseiras diferentonas, anéis modernos, elásticos para cabelo de ultima geração, gloss, blush, sombras... e tudo é sempre no plural. Sempre. Ah, sim. Meninas de 10 anos já usam esmaltes, pulseiras, anéis e maquiagem. Um espanto. Meninos dão um trabalho, meninas dão trabalho triplicado!
Por essas e outras que uma amiga minha diz que aquela rede de proteção que botamos nas janelas não é para crianças não caírem. É para as mães não se jogarem lá embaixo. Minha filha atropelou meus pensamentos: 
- Você pode me buscar às duas ou quer que eu durma na Alice? Nessas horas, o segredo é manter a tranqüilidade, respirar, contar um, dois, três, quatro, cinco...
- Eu estou muito introspectiva, por isso não deve dar para reparar que eu estou rolando de rir por entro. Sim, porque isso que você me contou foi uma piada, não foi? Como assim, duas? Duas da manhã?

- Não, da tarde...- debochou a danada.
- Maria de Lourdes, não ironize, não suporto isso. Duas horas da manhã? Você é uma criança e crianças não DORMEM às duas da manhã. 
- Não em dia de festa. Então eu durmo na casa da Alice, beleza – disse, virando-me as costas e dando a conversa por encerrada.
-Ei, ei, ei, mocinha! Está pensando que é assim? Que você decide o que bem quer fazer da sua vida? 
- Arrã.
- Maria de Lourdes, você anda muito malcriada, sabia? No meu tempo, se eu falasse assim com a minha mãe levava um tabefe e ainda tinha minha boca lavada com sabão. Palavrão e malcriação não entravam lá em casa.
- no seu tempo, mãe. Hoje é meu tempo. Que saco esse negocio de tempo! Eu não sou do seu tempo, assim como você não é do tempo da vovó e a vovó não é do tempo da avó dela. Sacou? Dá um tempo, mãe.
- Ai Maria de Lourdes, como você me irrita! Já para o quarto. 
- Como assim? 
-Sou sua mãe, enquanto eu pagar suas contas você faz o que eu mando. Não tem festa coisa nenhuma.
- Quê!? 
- Isso mesmo que você ouviu! 
- Quando é que eu vou crescer para poder fazer da minha vida o que eu bem entender? Eu quero morar sozinha! 
- Você não consegue ficar sozinha por dois segundos, imagina morar sozinha, não diga sandices.
- Ah, é? Pois sabe o que eu vou fazer quando eu for adulta? Vou comer só feijão, arroz, bife e batata frita. Todo dia! E vou me entupir de biscoito antes de qualquer refeição sempre que tiver vontade. E vou botar o pé em cima do sofá e não vou ter ninguém para dar satisfa. 
- Arrã. Acabou o show? Já para o quarto. 
- Ah, mãe! Deixa eu dormir na casa da Alice! 
- Não. 
- Por quê? 
- Não gosto dela. 
- Por quê? 
- Não vou com a cara dela.
- Por quê? 
- Sexto sentido de mãe. E isso a gente não questiona, a gente aceita. Não gosto dela e ponto. 
- Ah, então está explicado. Não gosta porque não gosta. Quando eu digo que não gosto de jiló porque não gosto você briga comigo. Vai entender os adultos! 
- Chega de deboche, menina! Passou dos limites.

- Não estou acreditando que você não vai me deixar ir à festa. Vou ligar para o meu pai agora. 
- Não vai, não. Já para o quarto, Maria de Lourdes! 
- quantas vezes preciso dizer? Eu não gosto do meu nome! Daqui pra frente eu quero que respeitem a minha vontade nesta casa e passem e me chamar de Malu! Todo mundo me chama de Malu, menos você. Parece implicância. 
- Mas Maria de Lourdes é um nome tão lindo...
Virou as costas e saiu falando sozinha. 
Festa....pois sim! Não vai mesmo. Imagina se ela beija alguém, não sei se estou preparada para ouvir da minha filha que ela beijou de língua. 
Ui! Que careta, meu Deus, que careta! Não posso nunca contar isso para ninguém.


Cabelo em pé


Outro dia li numa revista que as mulheres não saem de casa sem passar pelo menos 21 minutos se arrumando. Esse tempo refere a um programa básico, como ir ao shopping. Quando se trata de uma noitada em um bar, a mulherada perde 54 minutos se arrumando. Maria de Lourdes, que nem é mulher ainda – embora se ache uma – gasta, no mínimo, uma hora em frente ao espelho se ajeitando. E isso em dia de tarde no shopping. Em dia de festa, melhor pedir para a lerdeza em pessoa começar a se arrumar umas quatro horas antes de sair.
O cabelo é o grande culpado. O cabelo é a vida para Maria de Lourdes, um assunto importantíssimo, cabelo é tudo para ela. Para chegar perto das madeixas dos seus sonhos, ela gasta intermináveis minutos alisando, esticando, puxando, escovando e secando os benditos fios. Cuida deles com um carinho que só vendo. Mas nunca está satisfeita, claro. Vive reclamando da textura. Do tipo, da cor, do comprimento, dos cachos...
- Vamos embora, Maria de Lourdes! Você está há quarenta e cinco minutos fazendo esse rabo-de-cavalo! Não é possível! A gente só vai ao zoológico e me disseram que os bichos não são muito de comentar e prestar atenção no penteado dos visitantes. 
- Dâââ! – chiou ela, mostrando que não estava para brincadeiras. – É que não estou conseguindo abaixar um fio.
- Que fio? 
- Este aqui, não está vendo? 
- Não, ninguém vê, só você. 
- Mas está aqui, todo eriçado. 
- Onde?
-Aqui! Não está vendo? É cega? 
Engoli a malcriação para não criar clima ruim e fiz e refiz a porcaria do rabo-de-cavalo da Madame Mau Humor umas sete vezes e o diacho do fio que ela via continuava em pé. Chamei o Armando, que criou dezessete versões desastradas para o penteado e o tal fio (que era absolutamente invisível para toda a família, vale frisar) continuava irritando a moça – e a casa inteira.
A pequena Malena quis ajudar, mas foi logo vetada, Mário Márcio bem que tentou dar uma mãozinha, mas acabou levando uma bronca por ter deixado eriçados outros dois (dois!) fios , vizinhos ao eriçado original – o que é uma tragédia no universo paralelo onde vive a Maria de Lourdes.
- Será que ninguém nesta casa consegue fazer um rabo-de-cavalo decente? – reclamava ela, doida para puxar briga. 
- Vamos botar gel – sugeri.
- Claro que não! Não se atreva! Vai ressecar o meu cabelo todo! 
- Laquê? 
- Nem pensar! Deixa o cabelo duro e armado. E eu só quero abaixar um fio! – gritou com toda força.
- Água? 
- Água? Louca! Água seca e fica dez vezes pior do que antes, né mãe? 
- Já sei! 
- Não, mãe! Cuspe, não, né?
Tarde demais. Já tinha dado uma lambida de respeito no polegar e em dois tempos passei no seu cabelo. Para fixar bem, tasquei mais uma lambida. A fresquinha chiou e se esgoelou o quando pôde, mas minha saliva materna cumpriu à risca sua função adesiva e baixou os (oh, meu Deus!) três frios rebeldes. Minha saliva é tão potente que deu até mais brilho no cabelo da menina.
Menina ingrata: 
- Eca! Que nojo! Como você teve coragem de fazer isso? Nojo! Nojo! – resmungou ela com o rosto todo franzido sem saber onde pôr as mães, apontando para a cabeça como se 370 minhocas gosmentas estivessem passeando por ela. 
Cena engraçadérrima, mas me contive. 
- Nojo de quê? Da minha saliva? Deixe de ser ridícula! Limpei um monte de cocô seu e é isso que recebo em troca?
- Não venha de conversinha, não! Nada justifica você cuspir no meu cabelo. Você cuspiu no meu cabelo! Isso devia ser proibido. 
- Mas você vai ser no zoológico que a mãe lambe as crias. É só encarar a cusparada como uma lambida, boba. Assim você sai de casa entendendo como funciona o reino animal – debochei. – Podemos ir agora?
- Claro que não, não saio sem tomar banho. Você me deixou horrorosa com essa lambida. Agora meu cabelo ficou com cara de sujo, imundo! Parece que derramaram um litro de óleo na minha raiz.

- Deixe de ser exagerada, menina! Se quiser, lava de novo o cabelo que essa história me deixou de cabelo em pé! – soltei meu lado piadista.
- Nossa, como você é engraçada – disse ela, seriíssima. 
- E você é emburrada. Vá para o chuveiro logo e não demore, por favor! Depois do banho, ela me puxou num canto: 
- Não conta do cuspe para ninguém? 
- Segredo nosso. 
- Promete? 
- Está prometido. 
O silêncio selou nosso trato. Mas logo ela me lançou um olhar sapeca e me surpreendeu: 
- Posso rir agora? 
- Pode, sua maleta. 
- E você jura que não conta para ninguém que eu ri do dia em que você tascou cuspe no meu cabelo?
- Juro. 
Ela estorou numa risada pra lá de saborosa. Não resisti e me deixei contagiar por seu sorriso lindo. E ficamos ali, no quarto, sozinhas por bons e longos minutos, fazendo uma coisa saudável e recomendável: rolando de rir uma da cara da outra. Antes de sair, prometemos esquecer o episódio da lambida. Aliás, que Maria de Lourdes nunca saiba minha opinião sobre isso: nojo! Nojo! Nojo!







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