E o pior de tudo é que não me sinto nem um pouco mais mulher, como achei que aconteceria. Sou a mesma adolescente de sempre, só que pior, porque nesse exato momento estou espinheta e inchada (com a menstruação veio a dura constatação: além de sangrar, mulheres no período menstrual engordam e também enfeiam, já que ficam cheias de pipocas na cara, uma delícia!) Sem contar com o humor, que vira de cabeça para baixo com a TPM que, em vez de Tensão Pré-Menstrual, devia se chamar Todos os Problemas do Mundo. Nesse período horroroso tudo vira problema, tudo me leva ás lágrimas, até mesmo comercial de eletrodométicos, me faz chorar minutos a fio. Nada veste bem, nada que eu bote no rosto e nas unhas me deixa bonita, nada me deixa feliz. Nada. Minha vida vira um dramalhão nos dias que antecedem a menstru, uma mala. Para coroar, hoje o povo vai aproveitar o sol na piscina do prédio da Alice, com direito a churrasco e tudo até altas horas. E eu em casa, de molho, com saco de água quente na barriga por causa desta maldita cólica! Como dói! E pensar que eu já achei, de verdade, que menstruar era lindo. Onde eu estava com a cabeça?
Impaciêcia, seu nome é Malu. Comecei a ler um livro, achei chato. Fui pra internet, chata. Televisão, chaaaaataaaa. O que me resta? O telefone, claro. Sempre gostei de telefone, desde pequena. Não tem chat que substitua um bom telefonema entre amigas. Liguei para a Alice, que estava toda prosa arrumando as coisas para receber a galera. Morri de inveja, queria poder ajudá-la com os preparativos. Enquanto eu falava, minha mãe andava de um lado pra outro na sala.
Engraçado é que ela pensa que disfarça bem e que eu não notei que ela queria, na verdade, regular o tempo da minha conversa. Minha mãe não gosta de telefone e acha que isso devia ser hereditário. Mas não é.
Conversei com a Alice sobre várias coisas importantérrimas. Os CDs que seriam a trilha sonora do churrasco, o biquiní que ela usaria, se ela recebia o povo de cabelo preso ou solto, se passava o shampu para dar brilho ou o anticaspa, se botava o short azul ou o
vermelho, se apresentava o Barrosinho, com quem ela está ficando, para os pais, se apresentava alguém para os pais, se dizia para o Barrosinho que o Janjão está dando mole para ela...
- Chega, Maria de Lourdes! Agora chega! Você está há uma hora neste telefone! não é possível que você estude com essa garota, viva grudada com ela para cima e para baixo e ainda tenha tanto assunto para falar. Amanhã na escola vocês conversam.
- Ei, mãe! Pára com isso. Olha a falta de respeito, eu estou falando. Desculpa, Alice!
- "Desculpa Alice?" Desculpa, mãe, você quis dizer, não é? Você acha que telefone é um serviço gratuito, oferecido pelo governo?
- Ih, mãe, que saco! Vou ligar do meu celular, Alice, espera aí!
- Do celular? Enlouqueceu? Vai sair muito mais caro. Sou eu que pago a conta do seu celular, sabia, Maria de Lourdes?
- Malu, mãe, Malu!
- Malu uma ova! Maria de Lourdes!
- Não repara não, Alice. A mulher acordou com o ovo virado, tem um monte de trabalhos pendentes para fazer e está desgarregando em mim.
- Cala essa boca! Não tem nada que ficar falando da minha vida para essa garota.
- Essa garota tem nome, é Alice.
- Pois diga para a garota que tem nome que você precisa desligar porque sua mãe é jornalista e jornalistas não nadam em dinheiro. Pelo contrário.
- Espera, mãe! Que chatice!
- Não espero, não. Quer fazer o favor de dizer para essa Alice que você tem de desligar porque sua mãe tá mandando?
- Não preciso dizer, você está berrando tanto que tenho certeza de que ela está ouvindo, né, Alice? Que desligar, o quê?
Vamos continuar conversando, ela precisa aprender a tratar meus amigos com educação.
- Era só o que me faltava.
- Eu trato todos os seus amigos com educação e carinho. Faça o mesmo e peça desculpas para a Alice, mãe.
- Você está me desafiando, Maria de Lourdes! Largue já esse telefone.
- Eu já estou acabando, você que está aí atrasando tudo. Se não estivesse aqui do meu lado tagarelando, eu já teria terminado há séculos.
- Ah, é? Então vamos combinar uma coisa? A partir de agora você paga as horas que passar ao telefone. Eu sublinharei todos os telefonemas que você der e descontarei da sua mesada. Que tal?
-Absurdo.
- Absurdo é perder horas falando um monte de besteiras com uma garota que você vê todos os dias. - Alice, deixe-me ir, hoje ela está com a macaca. - Olha o respeito, Maria de Lourdes! - Malu, mãe! Malu!
No supermercado
Hoje foi o dia de um dos programas mais malas da minha vida. Acontece mensalmente e é sempre assim: sem me avisar nada, minha mãe me pega no colégio, deixa meu irmão na capoeira e minha irmã no balé e me leva para o supermercado. Assim, sem dó nem piedade, sem me dar chance de argumentar, ela me seqüestra por três horas. Eu, que invariavelmente saio do ultimo tempo de aula esfomeada, tenho de me contentar com uma gororoba de fibra que ela carrega na bolsa. Às vezes nem isso, porque a parada de fibra muitas vezes está fora de validade.
No estacionamento, descobrimos que o supermercado estava lotado, demoramos uns vinte minutos para achar vaga. Dentro do mercado, passamos intermináveis minutos comparando preços, estalando vagens, analisando e tocando guelras (irc!), empurrado carrinhos pesados, entrando em fila para pesar alimentos e nos perdendo uma da outra. Superagradável. Quando me perdi dela pela enésima vez, minha paciência tinha ido para o pé. Eu estava amolada, irritada com aquela luz fria que deixa todo mundo feio, apoquentada com o bando de gente em volta, verde de fome. Que vontade de sair, de gritar! De repende, uma voz que lembrava uma buzina ecoou naquele murmirinho:
- Maria de Lourdes! Corre aqui, Maria de Lourdes! Achei uma blusinha que é a sua cara! E baratésima! Vem experimentar. Se você gostar mamãe te dá duas, uma de cada cor.
Andei na sua direção, empurrando aquele carrinho que pesava uma tonelada e soltando fumaça pelo nariz.
- Mãe, que idéia! Eu não quero blusinha nenhuma, quero ir embora. Vamos sair daqui!
- Não acredito. Só porque é de supermercado? Deixa de ser besta, Maria de Lourdes! Depois diz que eu é que sou preconceituosa. Que desgosto, minha filha virou uma metidinha prepotente!
- Quê? Não é nada disso, eu só quero ir para casa comer e descansar. Além disso, não estou precisando de roupa.
- Nem de calcinha? Ah, filha, aqui tem umas lindas de algodão... o pacote com doze custa dez reais, está de graça! E você esta precisando de calcinha, Maria de Lourdes.
- Por que você quer comprar essas coisas agora? Já viu o tamanho das filas? Vamos para casa, estou morta de cansaço, e estamos há duas horas rodando nessa sauna.
- Mas está tudo tão baratinho... e suas calcinhas estão furadas, puídas, com o elástico frouxo...
- Precisa falar tão alto? Sua voz está no volume máximo, parece um megafone!
- Ah, é que acabei de voltar da casa da sua avó. Ela esta cada vez mais surda, ai fico assim, falando alto.
- Pois é, mas chega, não precisa mais berrar. Agora o Rio de Janeiro inteiro acha que eu preciso de calcinha, porque o Rio de Janeiro inteiro está nesse supermercado. Vamos embora?
- Para o teu governo, Maria de Lourdes, roupa de supermercado é coisa muito boa, viu? Calcinha de supermercado também. É coisa de qualidade, coisa moderna, coisa bacana. Tem gente muito criativa fazendo roupas para supermercados. Não estou dizendo para comprar sempre, mas a gente pode achar coisas divinas no supermercado.
- Mas eu não tenho nada contra roupas e calcinhas de supermercado! Só não estou a fim de roupa agora. Quero ir embora. Nesse momento, uma senhora baixinha de cabelos encaracolados aproximou-se de nós duas e se meteu na conversa sem a menor cerimônia:
- Desculpa, mas as roupas daqui são nota mil, viu, garota? Ótima qualidade, ótimos tecidos, ótimo corte.
Não acredito! Isso podia ser um pesadelo, mas aconteceu de verdade. Ninguém merece! Ela continuou:
- Compro tudo aqui. Roupa para meus filhos, para os meus netos, para mim... e quer saber? Ninguém nota que é de supermercado. Uma vez comprei um casado, falei que era de Nova Iorque e todo mundo acreditou – contou, com pinta de vitoriosa. – Essa coisa de preconceito é bobagem.
Ai caramba! Quem falou em preconceito?
- Eu tenho certeza de que as roupas são ótimas, mas eu não estou precisando de nada agora. Estou cansada, preciso de comida e cama – expliquei
- Cansada... cansada dê quê? – espetou ela. – Essa juventude de hoje, tsc, tsc, tsc... ainda bem que eu já criei meus filhos. Esses jovens só ligam para marca, para grife conhecida. Grife nada mais é do que uma etiqueta, menina. E quem liga para etiqueta? Não seja tola, você esta caindo nas armadilhas do sistema!
- Mas quem disse para a senhora que eu não quero porque é do supermercado? Eu só não estou a fim de comprar mais nada, muito menos roupa, que eu não preciso. Vamos mãe?
- É uma mal-agradecida, a senhora vê? Mas sabe o que é isso? Encontrou uma amiguinha bestinha do colégio e não quer que ela veja a gente comprando roupa no supermercado.
Como é que é!?
- Não é nada disso! Deixa de inventar história, mãe! A Clara já deve até ter ido embora. Estou achando que a preconceituosa aqui é você, que começou com essa história sem pé nem cabeça de preconceito.
- Filha, preconceituosa é...
Ai, caramba! Essa prosa não ia acabar tão cedo. Precisava dar um corte antes que começasse tudo de novo, não há nada mais irritante do que discussão em looping. Precisava mudar de assunto, precisava dizer qualquer coisa para me livrar desse dialogo maluco. - Amanhã a gente vem aqui e compra a blusinha, ta?
Inacreditável, mas foi a única coisa que consegui pensar.
- Está bem – disse minha mãe, satisfeita. – promete?
- Prometo.
Ufa! Nem acredito que consegui, enfim, dobrar a minha mãe. Empurramos os carrinhos na direção dos caixas. Todas as filas estavam enormes. Escolhemos a menor e ficamos lá paradas um tempão. Como a fila não andava, minha mãe tentou uma ultima vez:
- Você não quer ficar aqui esperando enquanto eu vou lá rapidinho pegar só aquele pacote de calcinhas? Dez reais, Maria de Lourdes! Dez reais!
- Ah, mãe, fala sério!

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