Percebi que teria problemas. Contornei a situação contando que, quando eu tinha sua idade, também usava roupas de balé, mas me sentia bonita e feliz com elas. Argumentos idiotas, completamente idiotas. Mas pelo menos convenci a dona Encrenquinha a não tirar a indumentária.
Entramos no carro, botei um CD animado, contei piadas, mas nada. Nada arrancava um sorriso daquela criança. Maria de Lourdes fez questão de me mostrar durante o percurso até a academia que era a pessoa com menos de um metro mais emburrada do mundo. Tudo bem, eu devia esperar isso dela.Meses atrás, seus padrinhos levaram-na a uma loja para que ela escolhesse um presente. Perguntaram o que ela preferia, uma roupa de Branca de Neve, uma da Pequena Sereia ou uma da Cinderela. Soube que ela respondeu aos urros, com uma alegria infindável:
- Super- Homem! Eu quero a do Super- Homem!
Quando nossos cumpadres chegaram com aquela versão anã de super- herói, conformei-me. Vi que não era daquela vez que veria minha mocinha vestida como mocinha. Logo eu, que sempre quis ter menina para brincar de boneca de novo, para deixar a criança emperiquetada. Também sei que isso é errado, mas dou de ombros. Depois, juro, tento resolver na análise.
A verdade é que, sem querer bancar a mãe babona, minha filhota ficou uma graça de super-herói. Pena que a fantasia é um martírio pra quem usa, super em todos os sentidos: superquente, superpesada, superincômoda, dá trabalho pra botar, para tirar... Mas ela adorou, passou a se apresentar para todos como "Super- Homem". Foi duro pra uma mãe perua e bailarina frustrada como eu (Frustrada! Frustrada, sim! Eu assumo!) ver o desânimo no semblante da minha filha com a roupinha de balé. Ela era infinitamente mais feliz nos tempos de super- herói.
Mas não tem nada de mal querer que ela conheça as maravilhas da dança para que tire suas próprias conclusões, tem? Não vou deixar que uma implicância boba com a roupa tire dos palcos uma Ana Botafogo da vida, Ah, vai que a Maria de Lourdes vira uma Ana Botafogo! O que é que tem eu sonhar com isso? Nunca se sabe, nada é impossível! Chegamos à academia. Como o bico permanecia intacto, tentei mais uma vez:
- Você está tão linda! Vá fazer sua aula que a mamãe fica aqui esperando.
Engoli a frase que gostaria de ter dito em seguida, que era "Mamãe vai ser a mãe mais feliz do mundo se você gostar da aula. Mamãe AMA balé!". Se tivesse dito, deveria tomar vergonha na cara e emendar: "Mamãe é péssima mãe! Péssima mãe!" Ter esse tipo de pensamento é mais forte que eu. Por pouco também não gritei antes que ela entrasse na sala: "Se você gostar da aula, mamãe deixa você tomar milkshake antes do jantar, finjo que nem é comigo!". Ainda bem que não falei, pois me culparia até o fim dos meus dias.
Pela janelinha de vidro, espiei de soslaio, para não deixá-la encabulada. Entre pliés, developés e grand- écarts , sua fisionomia permanecia dura, intacta, a testa franzida. A professora pedia graça, leveza nos movimentos, mas sua falta de motivação e a total ausência de boa vontade não colaboravam nada. No meio de meninas magricelas que levavam a aula a sério, minha filha parrudinha parecia um hipopótamo bêbado numa vidraçaria, era a versão feminina e pequena do Frankenstein aprendendo balé. Seus gestos, seus movimentos, seus chutes, tudo era muito duro, muito sem jeito. Saiu da aula marchando, mais emburrada do que quando entrou, arrancando dos cabelos a rede, os grampos, o gel e todo o coque superelaborado que levei horas preparando. Tudo bem, tudo bem. Não vai ser dificil me acostumar com a idéia de que ela odeia balé. Sonho muitas outras coisas pra minha filha.
- Aula chata, professora chata, todas as meninas chatas. Balé é chato- resumiu seus sentimentos sobre dançar nas pontas dos pés.
Está bem, não sonho mais. A partir de agora vou torcer. Torcer para que ela seja uma grande médica ou uma excelente violoncelista, acho lindo violoncelo. O problema é o dinheiro - músicos neste país, infelizmente, ganham uma mixaria. Mas nada importa mais na minha vida do que ver um sorrisinho de volta ao rosto mais lindo do mundo. Por isso, matriculei-a na aula de judô que acontecia na sala ao lado e fisgou sua atenção de forma impressionante. Minha baixinha parecia hipnotizada ao acompanhar os golpes e os ensinamentos de mestre Shing à turma. Agora, além de nadar como um peixinho, minha maravilhosa quer ser uma grande judoca, e vai para as Olimpíadas, tenho fé.
Ai, ai, ai, eu de novo pensando bobagem! O que quero mesmo é que Maria de Lourdes seja feliz na escolha que fizer para sua vida. Além do mais, ela ficou um espetáculo de quimono. Linda, linda, linda.

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