5 ANOS (Hora de dormir)

Hoje o dia foi cansativo. Maria de Lourdes pre-ci-sa dormir logo, estou com um sono incontrolável, mal vou conseguir cantar pra ela. Aliás, esse negócio de mãe virar cantora depois do nascimento de filho é um terror. Sempre fui a desafinação em pessoa, nunca decorei uma letra de música, canto tudo errado e fora de tom, minha voz é péssima. Cantar, para mim, é um tormento. Mas mãe é mãe e precisa cumprir seus deveres. Sentei na cama e comecei a cantarolar a primeira cantiga de ninar que me veio à cabeça: "Jurucutu marambaia, tu hoje não venhas cá/ Porque a Maria de Lourdes diz que vai te matar/ Sai, gato preto, de cima do telhado/ Deixa a Lourdinha dormir sossegada." Com os olhos arregalados, ela me mandava o recado, simples e direto: "prepare-se, não vou dormir tão cedo." E ainda puxou conversa:
- Mãe... 
- Aqui - respondi, sonolenta. 
- Por que é que o céu tem estrelas?
 Como assim essa menina me pergunta isso a essa hora? Logo agora que não estou raciocinando!
- Hum... é... porque... 
Preciso fazer algo, preciso fazer algo! O que é que eu faço para ela dormir? O quê? Já sei!
- Ssshhh! Sshhh! Sshhh! Sshhh! Sshhh! Sshhh! Sshhh! Vamos dormir, Maria de Lourdes, vamos dormir, amanhã a gente pensa nas estrelas. Sshhh! Sshhh! Sshhh! Olha o boi! "Boi, boi, boi/ Boi da cara preta/ Pega esta criança que tem medo de careta."
 Pois, sim! Minha lindinha não demonstrava nenhum sinal de cansaço, de sonolênia. Como continuava a me fitar sem piscar e meu sono só aumentava, tive uma idéia que poderia acelerar o processo que a levaria a um sono profundo. Pus uma das mãos sobre seus olhinhos e comecei a acompanhar com os dedos o ritmo das cantigas, mantendo cerradas, à força, suas pequenas pálpebras. Cantei Atirei o pau no gato e outras músicas non sense (e muitas vezes perversas) do cancioneiro infantil.
A técnica não funcionou como eu gostaria. A pequerrucha demorou mais de uma hora para cair no sono. Algumas vezes, senti que ela fazia força para abrir os olhinhos. Cruel, fingi que não entendia e deixei meus dedos vencerem de lavada a batalha com as pálpebras. Resultado: consegui o que queria, mantê-la de olhos fechadíssimos durante todo o tempo. Quando ela, enfim, adormeceu, dei um beijo na sua bochecha e fui, feliz, para debaixo do meu edredom dormir o sono justo das mães. E, melhor parte dessa história, tive um sonho ótimo. Sonhei que eu acordava com a voz idêntica à da Maria Bethânia e um repertório bem mais vasto do que as quatro ou cinco canções de ninar que conheço. Tudo decoradinho na minha cabeça. Sonho meu! Maria de Lourdes bem merecia que ele se tornasse realidade.

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