8 ANOS ( Discussão ocular)

Quando soube que seria mãe, decidi que educaria minha filha da seguinte forma: não repetiria os erros de minha mãe, apenas seus acertos. Simples assim. Lembro sem saudade dos tempos de criança em que já me considerava gente. Ela fazia questão de não me deixar decidir nada. Em público, então, tratava-me como se eu fosse uma criança sem vontade e opinião própria. No final, eu tinha sempre de acatar suas decisões e odiava isso. Cresci tendo a certeza absoluta de que jamais opinaria pelos meus filhos, jamais. Pois bem. As coisas mudam e, infelizmente, devo admitir que me vi fazendo com a minha filha o que mais odiava que fizessem comigo.
Como Maria de Lourdes estava vendo televisão cada vez mais perto do aparelho, levei-a ao oftalmologista e foi diagnosticada nela uma pequena miopia. Fomos à ótica escolher um par de óculos.
- É esse par sim, senhora! Óculos de tartaruga são chiques, elegantes, clássicos. E estão num ótimo preço. É este modelo bem escuro que vamos levar e ponto final. 
- Mas, mãe! Você não pode fazer isso comigo! Esses óculos são enormes, pesados e redondos, com eles eu pareço uma coruja de mau humor. Já que EU vou usar óculos, EU devia escolher o modelo, né? E tartaruga é uó! Uó!
- Menina abusada. Puxou o pai. Tartaruga é lindo. 
- Eu não acho. 
- Mas é.
- Para mim é coisa de gente velha! Esses óculos são imensos, pareço uma abelha com eles. Eu queria um modelo colorido, leve, divertido, que tenha a ver com a minha idade e que não ocupe mais da metade do meu rosto... 
- Deixe de dizer besteira. Óculos são óculos, apenas duas lentes que enfeitam a gente e levam as pessoas em volta a nos chamarem de quatro olhos.
- Eu não quero ser chamada de quatro olhos! 
- Pois vá se preparando. 
- Vamos pesquisar na Internet um modelo legal, mãe... 
- Que Internet, Maria de Lourdes? Você acha que eu não tenho mais o que fazer? 
- Não quero tartaruga! É feio e brega.

Anônimo

- Não quero tartaruga! É feio e brega. 
- Não diga besteira, tartaruga é bonito e está sempre na moda. Agora veja o senhor - dirigi-me ao vendedor que assistia em silêncio ao pequeno quebra-pau ocular -, eu dou tudo para esta criança. Amor, carinho, compreensão, educação, comida, ajudo nos estudos... e o que é que eu levo em troca? Desaforos! Maus- tratos! Rispidez! Agora me diz, onde foi que eu errei?
- Não repara não, moço, ela é chegada num drama. 
- Olha o respeito, Maria de Lourdes! Que gênio, garota! Que gênio ruim você tem! Não fala assim com a sua mãe!
Eu sei, eu sei, soei como a pessoa mais chata do mundo, mas justifico-me. Minha Tensão Pré- Menstrual me deixa louca, algumas vezes triste, outras com raiva, mas chata eu sempre fico. Muito chata. Pobre Maria de Lourdes!
- Eu não quero o de tartaruga! 
- Ah, quer sim! Vamos levar. 
- Não quero. 
- Quer. 
- Não quero. 
- Quer.
- Não vou usar. 
- DANE- SE!! - exclamei, para logo depois tapar a boca num sinal de auto- repreensão. Como é que eu fui falar assim com a minha filha? Sou uma grossa mesmo. Mas continuei no mesmo ritmo, como se nada tivesse acontecido. - Não quero nem saber se você vai usar ou não, Maria de Lourdes. Pode pagar parcelado, moço?
 Dois meses depois, eu me vi obrigada a pagar outra armação para a teimosa, já que a miopia aumentara quase um grau (a danada cumpriu a promessa de não usar os óculos). Uma roxa, de design arrojado, italiano, sete vezes mais cara do que a outra, que, verdade seja dita, era a pior imitação de tartaruga do mundo. Fez o maior sucesso na escola, ficou toda feliz a minha pequena.
Pequena que faz drama de adulto e já sabe impor sua vontade direitinho. Não sei a quem essa menina puxou...


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