Como Maria de Lourdes estava vendo televisão cada vez mais perto do aparelho, levei-a ao oftalmologista e foi diagnosticada nela uma pequena miopia. Fomos à ótica escolher um par de óculos.
- É esse par sim, senhora! Óculos de tartaruga são chiques, elegantes, clássicos. E estão num ótimo preço. É este modelo bem escuro que vamos levar e ponto final.
- Mas, mãe! Você não pode fazer isso comigo! Esses óculos são enormes, pesados e redondos, com eles eu pareço uma coruja de mau humor. Já que EU vou usar óculos, EU devia escolher o modelo, né? E tartaruga é uó! Uó!
- Menina abusada. Puxou o pai. Tartaruga é lindo.
- Eu não acho.
- Mas é.
- Para mim é coisa de gente velha! Esses óculos são imensos, pareço uma abelha com eles. Eu queria um modelo colorido, leve, divertido, que tenha a ver com a minha idade e que não ocupe mais da metade do meu rosto...
- Deixe de dizer besteira. Óculos são óculos, apenas duas lentes que enfeitam a gente e levam as pessoas em volta a nos chamarem de quatro olhos.
- Eu não quero ser chamada de quatro olhos!
- Pois vá se preparando.
- Vamos pesquisar na Internet um modelo legal, mãe...
- Que Internet, Maria de Lourdes? Você acha que eu não tenho mais o que fazer?
- Não quero tartaruga! É feio e brega.
Anônimo
- Não quero tartaruga! É feio e brega.
- Não diga besteira, tartaruga é bonito e está sempre na moda. Agora veja o senhor - dirigi-me ao vendedor que assistia em silêncio ao pequeno quebra-pau ocular -, eu dou tudo para esta criança. Amor, carinho, compreensão, educação, comida, ajudo nos estudos... e o que é que eu levo em troca? Desaforos! Maus- tratos! Rispidez! Agora me diz, onde foi que eu errei?
- Não repara não, moço, ela é chegada num drama.
- Olha o respeito, Maria de Lourdes! Que gênio, garota! Que gênio ruim você tem! Não fala assim com a sua mãe!
Eu sei, eu sei, soei como a pessoa mais chata do mundo, mas justifico-me. Minha Tensão Pré- Menstrual me deixa louca, algumas vezes triste, outras com raiva, mas chata eu sempre fico. Muito chata. Pobre Maria de Lourdes!
- Eu não quero o de tartaruga!
- Ah, quer sim! Vamos levar.
- Não quero.
- Quer.
- Não quero.
- Quer.
- Não vou usar.
- DANE- SE!! - exclamei, para logo depois tapar a boca num sinal de auto- repreensão. Como é que eu fui falar assim com a minha filha? Sou uma grossa mesmo. Mas continuei no mesmo ritmo, como se nada tivesse acontecido. - Não quero nem saber se você vai usar ou não, Maria de Lourdes. Pode pagar parcelado, moço?
Dois meses depois, eu me vi obrigada a pagar outra armação para a teimosa, já que a miopia aumentara quase um grau (a danada cumpriu a promessa de não usar os óculos). Uma roxa, de design arrojado, italiano, sete vezes mais cara do que a outra, que, verdade seja dita, era a pior imitação de tartaruga do mundo. Fez o maior sucesso na escola, ficou toda feliz a minha pequena.
Pequena que faz drama de adulto e já sabe impor sua vontade direitinho. Não sei a quem essa menina puxou...

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