Cento e dezoito dias depois

ENTÃO DESISTIMOS. Finalmente me cansei de perseguir um
fantasma que não queria ser descoberto. Talvez tivéssemos falhando, mas alguns
mistérios jamais a conheceria. Ela tinha tornado isso impossível para mim. E o
suicidente, o acicídio, seria eternamente isso. Só me restava perguntar: Será que
contribuí para um destino que você não queria, Alasca, ou simplesmente ajudei
você a se autodestruir? Porque são crimes diferentes, e eu não sabia se ficava
com raiva dela por ter me tornado cúmplice de um suicídio ouse ficava com
raiva de mim mesmo por tê-la deixado ir embora.
Mas nós sabíamos o que podia ser descoberto, e, no processo de
descoberta, ela nos aproximou – o Coronel, Takumi e eu, pelo menos. E foi só.
Ela não me deixou o suficiente para descobrir o Grande Talvez.
“Tem mais uma coisa que podemos fazer”, o Coronel disse enquanto
jogávamos videogame com o som desligado – só nós dois, como nos primeiros
dias da Investigação.
“Não podemos fazer mais nada.”
“Quero passar de carro pelo local”, ele disse. “Como ela fez.”
Não podíamos arriscar sair do campus no meio da madrugada como ela
tinha feito, por isso saímos cerca de doze horas mais cedo, às 3h da tarde, com o
Coronel dirigindo o utilitário esportivo do Takumi. Tínhamos convidado a Lara e o
Takumi, mas eles estavam cansados de perseguir fantasmas, e, além doo mais,
as provas finais estavam chegando.
A tarde estava radiante. O sol fustigava o asfalto fazendo com que as
faixas da estrada tremessem com o calor. Seguimos a Rodovia 119 por cerca de
um quilômetro e meio, depois pegamos a I-65 no sentido norte, a caminho da
cena do acidente e de Vine Station.
O Coronel dirigia em grande velocidade, e nós ficamos em silêncio,
fitando a estrada. Tentei imaginar o que ela estaria pensando, novamente
tentando enxergar através do tempo e do espaço para entrar em sua cabeça por
um único momento. Uma ambulância com as luzes e a sirene acesas passou
depressa por nós, no sentido contrário, na direção da escola, e, por um instante,
fiquei apreensivo e pensei: Pode ser alguém que eu conheça. Quase desejei que
fosse alguém conhecido para dar nova forma e profundidade à tristeza que eu
ainda sentia.
O silêncio foi rompido. “Tinha vezes que eu gostava”, eu disse. “Gostava
do fato de ela estar morta.”
“Como assim? A sensação era boa?”
“Não. Sei lá. A sensação era... pura.”
“É”, ele disse, abrindo mão de sua costumeira eloquência. “É. Eutambém. Acho que é normal, deve ser normal.”
Sempre me causava espanto perceber que eu não era a única pessoa no
mundo que pensava e sentia essas coisas estranhas e horrorosas.
Oito quilômetros ao norte da escola, o Coronel passou para a pista da
esquerda da interestadual e começou a acelerar. Cerrei os dentes, e, então, à
nossa frente, os caquinhos de vidro brilharam a luz do sol como se a estrada
estivesse incrustada de jóias. Era ali. Ele ainda estava acelerando.
Pensei: Não seria um jeito ruim de morrer.
Pensei: Rápida e diretamente. Talvez ela tivesse decidido no último
segundo.
E, PUF, atravessamos o momento de sua morte. Estamos passando por
onde ela não passou, pelo asfalto que ela nunca viu, e não estamos mortos. Não
estamos mortos! Estamos respirando, chorando e, agora, diminuindo a
velocidade e voltando para a pista da direita.
Pegamos o retorno seguinte, sem dizer nada. Quando fomos trocar de
motorista, passamos pela frente do carro e nos encontramos. Eu o abracei, meus
punhos cerrados em suas costas. Ele me envolveu com seus braços curtos e me
apertou com força, e eu senti seu peito arfar enquanto percebíamos repetidas
vezes que estávamos vivos. A compreensão chegava em ondas. Nós nos
abraçamos e choramos, e eu pensei: Meu Deus, que cena estamos fazendo, mas
isso não importava para quem tinha acabado de perceber, depois de tanto tempo,
que ainda estava vivo.

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