depois de um terrível dia de aula. O frio tinha começado a diminuir, mas a
noticia não chegara aos ouvidos de quem comandava a fornalha, pois as salas
continuavam abafadas e quentes demais, e seu só queria engatinhar até a cama e
dormir até a hora de começar tudo de novo.
“Senti sua falta na aula de hoje”, comentei, sentando-me na cama. O
Coronel estava em sua escrivaninha, debruçado sobre um caderno. Eu me deitei
de barriga para cima e puxei as cobertas por sobre a cabeça, mas o Coronel
insistiu.
“Pois é. Eu estava criando essa teoria. Ela não me parece muito
provável, mas é plausível. Escuta só. Ela beija você. Depois alguém telefona.
Jake, imagino. Eles brigam – porque ela foi infiel ou outra coisa, não sei. Ela fica
chateada e quer ver o namorado. Volta para o quarto chorando e nos pede ajuda
para sair do campus. Está desesperada, porque, sei lá, digamos que o Jake vai
terminar o namoro se ela não for visita-lo. É um motivo hipotético. Ela sai do
campus, bêbada e chateada. Está furiosa consigo mesma por algum motivo. Está
dirigindo, vê o carro da policia, e, num lampejo, tudo se encaixa. Ela percebe a
saída para seu mistério labiríntico é encara-lo de frente. É o que ela faz, rápida e
diretamente, indo de encontro à viatura sem se desviar, não porque estivesse
bêbada, mas porque queria se matar.”
“Isso é ridículo. Ela não estava pensando no Jake, não estava brigando
com ele. Estava me beijando. Tentei falar sobre o Jake, mas ela fez sshh para
mim.”
“Então quem foi que ligou?”
Desvencilhei-me do edredom aos chutes e, com os punhos cerrados,
soquei a parede enquanto dizia cada silaba: “EU! NÃO! SEI! E quer saber? Não
importa. Porque ela está morta. Será que o brilhante Coronel vai pensar em algo
que a deixe menos morta?” Mas claro que importava, e foi por isso que continuei
socando a parede de concreto, foi por isso que as perguntas vieram à tona
durante a semana. Quem ligou? O que aconteceu? Por que ela saiu? Jake não
comparecera ao funeral. Não ligara para nos dizer que sentia muito ou para
perguntar o que havia acontecido. Simplesmente desaparecera, e eu tinha me
perguntado, é claro. Tinha me perguntado se ela tivera intenção de manter a
promessa de continuarmos depois. Tinha me perguntado sobre quem teria ligado,
e por quê, e o que a tinha deixado tão chateada. Mas preferia me indagar a
encontrar respostas com as quais não seria capaz de conviver.
“Talvez ela tenha saído para terminar com o Jake e depois”, o Coronel
disse, com a voz subitamente embotada, e se sentou na beira da minha cama.“Não sei. E, para ser sincero, também não quero saber.”
“É, mas eu quero”, ele disse. “Porque, se ela sabia o que estava fazendo,
Gordo, então ela nos fez seus cumplices. E eu a odeio por isso. Santo Deus! Olha
só para nós. Nem mesmo conseguimos falar com as outras pessoas. Então,
escuta, escrevi o que devemos fazer: Primeiro. Falar com as testemunhas
oculares. Segundo. Descobrir quão bêbada ela estava. Terceiro. Descobrir aonde
ela estava indo e por quê.”
“Não quero falar com o Jake”, eu disse, sem entusiasmo, já conformado
com os intermináveis planos do Coronel. “Se ele souber, certamente não vou
querer falar com ele. E, se não souber, não vou querer fingir que nada
aconteceu.”
O Coronel ficou de pé e soltou um suspiro. “Quer saber, Gordo? Eu me
sinto mal por você. Juro. Sei que vocês se beijaram e sei que você está de
coração partido. Mas, sério, cala a boca. Se o Jake souber, você não vai tornar as
coisas piores. E, se ele não souber, não vai descobrir. Então pare de se preocupar
consigo mesmo por um minuto e pense em nossa amiga que morreu. Desculpa,
foi um longo dia.”
“Não tem problema”, eu disse, puxando as cobertas por sobre a cabeça.
“Não tem problema”, repeti. Que seja. Realmente não tinha problema. Teria de
ser. Não podia me dar ao luxo de perder o Coronel.

Nenhum comentário :
Postar um comentário
Atenção: para postar um comentário, escolha Nome/Url. Se quiser insira somente seu nome.
Please, no spoilers!
Expresse-se:
(◕‿◕✿) 。◕‿◕。 ●▽●
⊱✿◕‿◕✿⊰(◡‿◡✿)(◕〝◕) ◑▂◐ ◑0◐
◑︿◐ ◑ω◐ ◑﹏◐ ◑△◐ ◑▽◐ ●▂●
●0● ●︿● ●ω● ●﹏● ●△● ●▽●