tomar meu primeiro banho em alguns dias. Vesti meu único terno. Quase não o
trouxera, mas minha mãe insistira em que nunca se sabe quando vamos precisar
de um terno, e ela estava certa.
O Coronel não tinha terno e, por causa da baixa estatura, não podia pegar
um emprestado com outro colega, então vestiu calças pretas largas e uma
camisa social cinzenta.
“Será que posso usar a gravata dos flamingos?”, ele perguntou, calçando
meias pretas.
“É um pouco alegre demais para a ocasião”, respondi.
“Não serve para a ópera”, disse o Coronel, quase sorrindo. “Não serve
para o funeral. Não serve para eu me enforcar. É meio inútil como gravata.”
Emprestei-lhe uma das minhas.
A escola tinha fretado alguns ônibus para levar os alunos para o norte do
estado, para a cidade da Alasca, Vine Station, mas Lara, o Coronel, Takumi e eu
viajamos no utilitário esportivo do Takumi, pegando as estradas secundárias para
não termos de passar pelo local. Fiquei olhando pela janela do carro, observando
enquanto o subúrbio de Birmingham se transformava aos poucos nas colinas
suaves e nos campos do norte do Alabama.
No banco da frente, Takumi contou para Lara sobre o garoto que tinha
buzinado o peito da Alasca no verão. Ela riu. Aquele tinha sido nosso primeiro
encontro, e agora estávamos nos encaminhando para nosso primeiro encontro, e
agora estávamos nos encaminhando para o último. Acima de tudo, eu sentia a
injustiça daquilo, a inegável injustiça de amar alguém que talvez também me
amasse, mas que agora não podia fazer nada porque estava morta. Inclinei-me
para a frente, a testa nas costas do assento do motorista, e chorei, choraminguei.
O que estava sentindo não era bem tristeza, era dor. Aqui doía, e não é um
eufemismo. Doía como uma surra.
As últimas palavras de Meriwether Lewis foram: “Não sou covarde, sou
forte demais. É difícil morrer.” Não duvido que seja, mas não pode ser muito
pior do que ser deixado para trás. Eu pensava em Lewis enquanto seguia Lara
para o interior da capela em formato de “A” anexado ao prédio de um só andar
da funerária de Vine Station, Alabama, uma cidade tão deprimida e deprimente
quanto Alasca nos fizera crer. O lugar cheirava a mofo e desinfetante e o papel
de parede amarelo do vestíbulo estava descascando nos cantos.
“Estão aqui por causa da Srta. Young?”, alguém perguntou ao Coronel.
Ele assentiu com a cabeça, e fomos conduzidos a um cômodo amplo com fileiras
de cadeiras dobráveis ocupadas pro um único homem. Ele estava ajoelhadodiante do caixão, perto do altar. O caixão estava fechado. Fechado. Eu nunca
mais a veria. Não poderia lhe beijar a testa. Não poderia vê-la uma última vez.
Mas eu precisava, precisava vê-la, por isso perguntei alto demais, “Por que está
fechado?”, e o homem cuja pança se projetava do terno apertado virou e
caminhou em minha direção.
“A mãe dela”, disse. “A mãe dela foi velada num caixão aberto, então
Alasca me pediu: ‘Não deixe que eles me vejam morta, papai', e foi isso. Além
do mais, filho, ela não está mais ali dentro, ela está com o Senhor.”
E colocou as mãos em meus ombros, aquele homem que tinha
engordado desde a ultima vez que precisara vestir um terno. Eu não podia
acreditar no que tinha feito com ele, seus olhos verdes e cintilantes como os da
Alasca, porém afundados nas órbitas escuras como um fantasma de olhos verdes
que ainda respirava. Por favor, Alasca, não morra, por favor. Não morra.
Desvencilhei-me dele, caminhei até o caixão, passando por Lara e Takumi,
ajoelhei-me e coloquei as mãos sobre a madeira polida, o mogno escuro da cor
de seus cabelos. Senti as mãos pequenas do Coronel em meu ombro. Uma
lágrima pingou em minha cabeça, e, por um breve instante, éramos apenas nós
três - os ônibus com nossos colegas ainda não tinham chegado, Takumi e Lara
tinham desaparecido no plano de fundo, e ficamos apenas nós três – três corpos,
duas pessoas – os três que sabiam o que havia acontecido, separados por uma
quantidade excessiva de camadas e de coisas que nos afastavam um do outro.
O Coronel disse: “Queria tanto poder salvá-la”, e eu: “Chip, ela se foi”, e
ele: “Pensei que ia sentir a presença dela aqui, olhando por nós, mas você está
certo. Ela se foi”, e eu: “Ai, meu Deus! Alasca, eu te amo, eu te amo”, então o
Coronel sussurrou: “Sinto muito, Gordo. Sei que você a amava”, e eu “Não. Não
no pretérito.” Ela já não era uma pessoa, era um monte de carne em
decomposição, mas eu a amava no presente. O Coronel se ajoelhou ao meu lado,
levou os lábios ao caixão e sussurrou: “Sinto muito, Alasca. Você merecia um
amigo melhor.”
Será que é tão difícil morrer, Sr. Lewis? Será que esse labirinto é tão pior
do que este daqui?

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