explorador Meriwether Lewis (da famosa dupla Lewis & Clark), tentando
permanecer acordado, quando a porta se abriu e o Coronel apareceu. Suas mãos
pálidas tremiam, e o almanaque que ele trazia consigo mais parecia uma
marionete dançando sem cordas.
“Está com frio?”, perguntei.
Ele fez que sim com a cabeça, tirou o tênis e se deitou em minha cama,
no beliche de baixo, puxando as cobertas sobre o corpo. Seus dentes batiam como
um telégrafo.
“Santo Deus! Você está bem?”
“Melhor agora. Mais quente”, ele disse. Uma pequena mão branca de
fantasma surgiu debaixo do edredom. “Segura minha mão, por favor?”
“Seguro, mas é só isso. Nada de beijos.” Ele riu, fazendo a colcha
tremer.
“Onde você estava?”
“Fui andando até Montevallo.”
“Sessenta e cinco quilômetros?”
“Sessenta e oito”, ele me corrigiu. “Bem, sessenta e oito para ir. Sessenta
e oito para voltar. Cento e vinte e seis ao todo. Não. Cento e trinta e seis. Isso.
Cento e trinta e seis quilômetros e quarenta e cinco horas.”
“Mas que diabos tinha em Montevallo?”, perguntei.
“Nada de mais. Só andei até não aguentar o frio, depois dei meia-volta.”
“Não dormiu?”
“Não! Os pesadelos são horríveis. Nos meus sonhos, ela nem mesmo se
parece com ela. Nem mesmo consigo me lembrar como ela era.”
Larguei sua mão, peguei o anuário e mostrei o retrato dela. Na foto em
preto e branco, ela está com sua tradicional camiseta regada cor de laranja e um
short jeans cortado que lhe cobre metade das coxas finas, a boca escancarada
numa eterna risada, enquanto o braço esquerdo segura Takumi numa gravata. O
cabelo lhe cai pelo rosto, escondendo suas bochechas.
“Certo”, o Coronel disse. “Pois é. Eu estava cansado de vê-la aborrecida
sem motivo. Ela ficava triste e falava sobre a porcaria do peso opressivo da
tragédia ou qualquer coisa assim, mas nunca dizia o que estava errado, nunca
dizia o motivo por que estava triste. Acho que a pessoa precisa de um motivo.
Minha namorada me deu um fora, por isso estou triste. Fui pego fumando, por
isso estou irritado. Minha cabeça está doendo, por isso estou mal-humorado. Ela
nunca tinha motivo, Gordo. Eu já estava cansado de todo aquele drama. Então a
deixei ir embora. Santo Deus.”Às vezes o mau humor dela também me irritava, mas não naquela noite.
Naquela noite, eu a deixei ir embora porque ela mandou. Era simples assim,
idiota assim.
A mão do Coronel era tão pequenina. Apertei-a com força, o frio dele
passando para o meu corpo e o meu calor passando para o dele.
“Decorei os contingentes populacionais”, ele disse
“Uzbequistão.”
“Vinte e quatro milhões, setecentos e cinquenta e cinco mil, quinhentos e
dezenove.”
“Camarões”, ele disse, tarde demais. Ele estava dormindo, a mão inerte
na minha. Coloquei-a debaixo da colcha novamente e subi no beliche de cima.
Teria de ser o homem do beliche de cima pelo menos naquela noite. Adormeci
ouvindo sua respiração, lenta e cadenciada, sua rebeldia finalmente se
desfazendo diante do cansaço invencível.

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