Capítulo 14

Pele e osso. Eu não via Norah há meses. Eu não sei se é possível, mas ela
perdeu mais peso. Desde que eu me lembro, Norah sempre foi bem magrela.
Agora, com corpo encostado no parapeito da varanda, suéter enrolado em um
travesseiro para apoiar a cabeça, ela parece uma pilha de galhos envolta em
trapos hippies.
Ela está só dormindo? Ou ela está bêbada de novo?
Eu corei de vergonha. Essa é minha mãe e eu não quero que Cricket a
reconheça, mesmo que seja óbvio quando os pedaços forem colocados juntos,
agora que a pergunta paira no ar. Nathan está rígido. Ele coloca o carro em nossa
garagem e desliga o motor. Ninguém sai. Andy desabafa com um xingamento.
— Nós não podemos deixá-la aqui. — Ele diz depois de um minuto.
Nathan sai, e Andy o segue. Vou pro meu lugar para observá-los cutucandoa,
e ela imediatamente acorda assustada. Eu solto a respiração que eu nem sabia
que estava segurando. Saio do carro e xingo pelo mau cheiro do odor corporal.
Cricket está ao meu lado, e ele está falando, mas suas palavras não alcançam
meus ouvidos.
Porque é minha mãe.
Com mal cheiro.
Na minha varanda.
Eu desvio dele e subo as escadas, passando Norah e meus pais. — Eu
adormeci esperando vocês chegarem em casa — ela se pressiona eles. — Eu
não estou bêbada. Apenas despejada — Mas me concentro na minha chave na
minha mão, na minha chave na fechadura, nos meus pés para o meu quarto. Eu
desabo na cama, mas uma voz diz algo sobre uma cortina, isso não vai parar no
papo da cortina. Então, eu me levanto pra pedir silencio e volto para baixo. Eu os
ouço na sala de estar.
— Dezoito meses? — Nathan pergunta. — Você me disse que era doze desde
o seu último pagamento. Pensei que já tinha trabalhado isso. O que você espera
que eu...
— EU NÃO PRECISO DA SUA AJUDA. EU SÓ PRECISO DE UM LUGAR
PRA DORMIR.
O bairro inteiro pode ouvir a gritaria que dura minutos antes que ela abaixe a
voz. Eu olho o relógio no meu telefone.
Ligação de Lindsey. Eu olho pro seu nome, mas não respondo.
Quando eu era pequena, eu pensava que meus pais eram só amigos que
moravam juntos. Eu queria morar com a Lindsey quando eu crescesse. Levou
um tempo até que eu entendesse que a situação era um pouco mais complicada
que isso. Mas quando eu entendi, não fez diferença. Meus pais eram meus pais.
Eles se amam e eles me amam.
Mas sempre houve um incômodo em um canto obscuro da minha mente.Nathan e Andy tinham todo o meu apoio, assim como eu tinha todo o apoio
deles. Por que eu não conseguia dar esse apoio para Norah? Eu sei que ela não
tinha condições de cuidar de mim. Mas por que ela nem tentou? E por que nós
não éramos - nós três, sua família - um motivo para ela tentar agora? Ela podia
não estar mais nas ruas, mas… Mas, agora, ela está. Por que é tão impossível pra
ela ser uma adulta normal?
Meu telefone toca. Lindsey enviou uma mensagem: “Eu escutei. O q posso
fazer? Xoxo”
Meu coração caiu feito uma pedra. Ela escutou? Quanto tempo Norah estava
lá fora? Quantas pessoas a viram? Eu imagino o que meus colegas vão dizer
quando descobrirem que eu tenho um fio pela metade no meu código genético.
Imagina. É a única explicação para alguém que estragou tudo. Ela deve ter
perdido enquanto Lola estava útero. Mas isso não é verdadeiro. Eu não sou
metade perdedora. Estou cem por cento. Eu fui criada a partir do lixo da rua.
Andy bate na minha porta. — Lo? Posso entrar?
Eu não respondo.
Ele pergunta de novo. Quando eu não respondo, ele diz — estou entrando.
Minha porta abre.
— Oh, querida. — Sua voz é de partir o coração. Andy senta na ponta da
cama e coloca a mão nas minhas costas e eu começo a chorar. Ele me pega e
me segura, e eu me sinto pequena e indefesa enquanto eu choro tudo na blusa
dele.
— Ela me envergonha tanto. Eu a odeio.
Ele me abraça mais forte. — Algumas vezes, eu também a odeio.
— O que vai acontecer?
— Ela ficará aqui por um tempo.
Eu vou pra trás. — Por quanto tempo? — Eu deixei uma poça de sombra
vermelha em seu ombro. Eu tento limpá-la, mas ele gentilmente pega a minha
mão. A camisa não importa.
— Só uma semana ou duas. Até a gente achar um novo apartamento pra ela.
Eu encaro meus dedos vermelhos e fico com raiva que Norah tenha me feito
chorar de novo. Estou com raiva porque ela está na minha casa. — Ela não se
importa com a gente. Ela só está aqui porque ela não tem outra opção.
Andy suspira. — Então nós não temos outra opção senão ajudá-la. Né?
Começa a ficar escuro lá fora. Ligo pra Lindsey.
— Graças a Deus! Cricket ligou duas horas atrás e eu estava tão preocupada.
Você está bem? Quer que eu vá aí? Você quer vir pra cá? Tá muito ruim?
Uma explosão na minha cabeça. — Cricket contou pra você?
— Ele estava preocupado. Eu estou preocupada.
— Cricket contou pra você?
— Ele ligou para o restaurante e deu o número dele para meus pais e pediupra que eu ligasse de volta. Ele disse que era uma emergência.
Eu segurei meu telefone com mais força. — Então você não a viu? Ou a
escutou? Ou escutou sobre isso por alguma pessoa?
Lindsey entendeu sobre o que era o problema. Sua voz ficou mais calma. —
Não. Eu não escutei nada dessa vizinhança esperta. Eu não acho que ninguém
reparou nela.
E eu relaxei e deixei a tristeza e a frustração voltar. Depois de quase um
minuto de silêncio, Lindsey pergunta de novo se eu gostaria de ficar com ela. —
Não. — Eu digo. — Mas eu converso com você sobre isso amanhã.
— Ela não estava... Estava?
É fácil responder sua lacuna. — Não estava drogada, nem bebada. Só Norah.
— Bem — ela diz. — Pelo menos, isso.
Mas é humilhante ela ter de perguntar. Escuto um sinal sonoro na outra linha.
Max. — Eu tenho que ir. — Eu transfiro a chamada com medo. A visão do meu
namorado no brunch com Norah passa pela minha cabeça. Isso me obriga a
colocar uma pressão ainda maior sobre seu relacionamento com minha família.
O que ele vai pensar dela? Será que vai mudar sua opinião sobre mim? E se... E
se ele encontra alguma coisa de mim em Norah?
— Senti saudade — ele diz. — Você vem pro show hoje?
Eu tinha esquecido isso. Eu estive tão fixada no show da noite passada que eu
nem lembrava que ele estaria de volta aqui para outro show esta noite. — Hum,
eu acho que não. — As lágrimas já estão se formando. Não, não, não. Não
chore. Estou farta de chorar hoje.
Eu praticamente o escutei sentar. — O que está acontecendo?
— Norah está aqui. Ela vai ficar conosco.
Silêncio. E depois — Meeeerrddaaa. — Ele disse de uma vez só. — Sinto
muito.
— Obrigada. Eu também — eu acrescento.
Ele dá um pequeno sorriso de entendimento, e eu fico surpresa pela forma
como ele fica com raiva quando eu lhe conto a história completa. — Então ela
espera que seus pais a tirem disso?
Eu rolo para o meu lado, ainda na minha cama. — Como sempre fazemos.
— O que fode tudo é seus pais deixarem que ela tire vantagem deles de novo.
Este pensamento já me ocorreu diversas vezes ao longo dos anos, mas eu
ainda não sei se é verdadeiro. Eles, especialmente Nathan, estão deixando? Ou
ela estaria mais perdida se não fossem eles? — Eu não sei. — Eu digo. — Ela não
tem mais ninguém pra recorrer.
— Escute a si mesma. Você está defendedo-os. Se eu fosse você, eu estaria
puto. Eu não sou você e estou puto.
Sua raiva alimenta a minha. Está ficando mais fácil falar sobre isso, falar
sobre qualquer coisa. Nós ficamos mais uma hora até que ele precisa colocar ascoisas na van pro seu show. — Você quer que eu te pegue? — ele pergunta.
Eu digo a ele que sim.
Eu me senti tão enfurecida, como não me sentia em anos. Acho que um
vestido de gaze preta, que eu nunca gostei muito, na parte de trás do meu
armário, e rasgo a barra pra ficar mais curto.
Maquiagem laranja e amarelo. Peruca vermelha. Botas que amarram nos
joelhos.
Hoje estou pegando fogo.
Eu desço feito um raio. Meus pais estão falando baixinho na cozinha. Eu não
tenho nenhuma idéia de onde Norah está, e também não me importo. Eu
escancaro a porta da frente, e escuto uma voz alta — HEY! — Mas eu já estou
correndo até a calçada. Onde está o Max? Onde ele está?
— Dolores Nolan, traz sua bunda de volta aqui — Nathan diz da porta.
Andy está atrás dele. — Onde você pensa que vai?
— Eu vou pro show do Max! — Gritei de volta.
— Você não vai a lugar nenhum nesse estado ou vestida desse jeito —
Nathan diz.
Uma van branca familiar vira a esquina e acelera na nossa rua. Andy xinga,
e meus pais correm até a porta, mas bloqueiam um ao outro no processo. A van
inclina com a freada. Johnny desliza a porta para abrir.
— Não entra nessa van — Nathan grita.
Eu dou a mão a Johnny. Ele me puxa pra dentro e bate a porta. Eu bato em
um címbalo28 dobrado parado enquanto a van sacode quando anda pra frente, e
eu grito de dor. Max deixa escapar uma seqüência rápida de palavrões ao ver
sangue escorrendo pelo meu braço. A van sacode com outra parada enquanto ele
se inclina para trás para se certificar de que estou bem.
28 Instrumento musical.
— To bem, to bem! Vai!
Eu olho pela janela e vejo meus pais na calçada congelados sem conseguir
acreditar no que fiz. E atrás deles, sentado nos degraus da lavanda Vitoriana -
como se eles estivessem lá por muito, muito tempo - estavam Cricket e Calliope
Bell.
A van rugiu e saiu.

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